Brasileiro especialista em tecnologia aplicada à educação, Paulo Blikstein, quer descobrir os talentos não revelados dos estudantes
Ainda criança, o engenheiro e professor paulistano Paulo Blikstein, 36 anos, desmontava todo e qualquer objeto que encontrava pela frente em casa – um radinho de sua mãe costumava ser a vítima preferida. Para sua sorte, seu visionário avô Saulo sempre o incentivou a aprender mais sobre eletrônica, fato que hoje ele considera determinante para sua carreira.
Além disso, ele estudava em uma escola diferente (“da filha do educador brasileiro Paulo Freire, falecido em 1997” – e do qual é devoto) em que os alunos tinham a sua criatividade bastante estimulada. Apenas para se ter uma ideia do quão progressista era o tal colégio, os alunos não faziam prova, sequer tinham nota, e ainda participavam de discussões para combinar a grade curricular.
Aos 15 anos, atraído pelas novas tecnologias que então emergiam, Paulo ganhou de aniversário o livroLogo: Computadores e Educação, do pioneiro educador sul-africano Seymour Papert, em que ele apontava caminhos para o uso dos computadores no ensino.
Mais tarde, enfim, ele resolveu estudar engenharia na USP, decidido a se tornar um inventor de novos aparelhos. Consciente de que a referência de escola que tinha era bastante diferente da de seus colegas, durante a graduação, ele ficou intrigado com o fato de que muitos bons alunos não conseguiam aprender coisas básicas e percebeu que havia algo muito errado com aquele método de ensino, que ele classifica como tradicionalíssimo. “Por que não se poderia ensinar engenharia do jeito do Paulo Freire, do jeito do Seymour Papert?”, se perguntava Paulo, à época.
APRENDER PARA ENSINAR
Movido por esse incômodo, pouco tempo depois da sua formatura, ele se candidatou a uma vaga no grupo do próprio Papert, no Media Lab, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos EUA, um dos principais pólos da vanguarda mundial de pesquisa em novas tecnologias.
De lá pra cá, já se vão nove anos desde que Paulo migrou para estudar, sem nunca se esquecer do Brasil. “Meu trabalho só tem sentido se eu puder ajudar a melhorar alguma coisa na educação do nosso País”.
Mas, voltando à pergunta anterior, que jeito de se ensinar diferente seria esse afinal? “Entre outras coisas, Paulo Freire diz que a educação deve levar as pessoas do real para o possível, ou seja, deve ensinar que o conhecimento é uma arma de transformação do mundo. Já o Papert é o grande defensor daquilo que popularmente chamamos de aprender fazendo.”
E continua: “Portanto, em vez de aulas teóricas e de laboratórios com problemas inventados, o ensino de engenharia (mas não só ele) deveria colocar o aluno para resolver problemas reais, desde o primeiro ano. De preferência, problemas socialmente importantes como o saneamento básico, etc.” E conclui: “Daí, as aulas teóricas passam a ter mais sentido na cabeça do aluno. Ele precisa aprender cálculo, por exemplo, para saber dimensionar o novo sistema de esgoto que inventou, e não simplesmente para fazer uma prova.”
Em 2002, durante sua passagem no MIT, que durou três anos e lhe rendeu um mestrado, é que Paulo pôde finalmente colocar em prática algumas de suas ideias. Estimulado a pesquisar sobre educação e novas tecnologias, ele fez do dia-a-dia dos estudantes a base para o ensino de ciências, muitas vezes, afirma ele, ministradas nas escolas – não apenas brasileiras – como a chata continuação de fórmulas desconectadas da realidade. Em uma parceria entre o Media Lab e a Prefeitura de São Paulo, que mais tarde foi replicada em outros países, ele criou experimentos com alunos de escolas públicas, que buscavam resolver problemas da comunidade, como ligações clandestinas de eletricidade.
TODO ALUNO É BOM
Atualmente, após concluir um doutorado na Universidade de Northwestern, em Chicago, e ter sido assediado por algumas das principais universidades dos EUA, dá expediente na Universidade de Stanford, na Califórnia. Em termos de pesquisa, tem se dedicado a criar programas e sistemas que ajudem a “libertar” a criatividade e inventividade das crianças, como placas de robótica educativas, softwares de simulação científica, etc.
Além, ainda, da criação de modelos computacionais da cognição humana, que, segundo ele, irão ajudar a entender de forma mais profunda como funciona o aprendizado das crianças. Paulo diz crer que por meio dessas iniciativas conseguirá cumprir seu projeto de vida: “Quero provar que não há alunos ruins. Há apenas alunos com talentos não descobertos.”
EDUCAÇÃO OBSOLETA
Paulo Blikstein não é conciso na hora de falar sobre seus projetos e ideias. Ele fala bastante e lentamente, além de fazer grandes parênteses dentro de cada uma das suas respostas. O que não quer dizer que não valha a pena ouvi-lo – pelo contrário.
Ele acredita que há um descompasso entre as possibilidades abertas pelas novas tecnologias e a forma como elas são usadas nas escolas. “Falta foco na criação de conhecimento”, afirma. “A disponibilidade instantânea de informação está tornando a educação tradicional cada vez mais obsoleta”, conclui. Apesar dos elogios, ele não nutre uma fé cega no novo. “Não podemos nos deslumbrar e achar que a tecnologia é a resposta para todos os problemas”, alerta. Enquanto isso, Paulo participa de um projeto com jovens de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. Toda quarta-feira, ele conversa e orienta jovens de uma oficina de robótica via Skype.
Os encontros ocorrem no colégio Santo Américo, que há cerca de seis anos abre seus laboratórios, entre eles o de robótica sob o comando do professor Fernando dos Santos, para os jovens da comunidade vizinha. Paulo participa da iniciativa desde 2007. “Os projetos dessas crianças, muitas vezes, são melhores do que aqueles que vejo nas escolas de elite dos EUA”, garante.
Jaíne Roberta dos Santos, de 19 anos, é uma das alunas mais aplicadas da oficina. Balconista, ela agenda suas folgas do trabalho para toda quarta-feira, para assim continuar o desenvolvimento do seu protótipo: um carrinho de bebê que anda sozinho para frente e para trás quando um sensor capta o choro da criança. O objetivo é de simular um balanço.
Paulo tem alguns planos bem ambiciosos, mas enquanto eles ainda não se realizam, ele se contenta com pequenas ações que, na prática, ajudam a alargar os estreitos horizontes de muitos desses jovens.
FOTO: DIVULGAÇÃO
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Perfil publicado por @brunogalo no caderno Link do Estadão de 11 de maio de 2009