“O computador ajudou muito a suprir minhas limitações, minha falta de técnicas de desenho”

23 06 2010

Diretor de “Era do Gelo 3”, Carlos Saldanha, o brasileiro mais bem sucedido em Hollywood em todos os tempos, fala de 3D, novo filme “Rio” e muito mais

Você já deve ter ouvido falar que com as novas tecnologias é mais fácil produzir e divulgar conteúdo. O carioca Carlos Saldanha, de 40 anos, é anterior a revolução digital que vivemos nos últimos anos. Entretanto, foi, em parte, graças a sua afinidade com a tecnologia que ele conseguiu deslanchar na profissão.Apaixonado por desenho desde pequeno – o gosto pelos videogames e o computador veio na adolescência -, ele não chegou a fazer nenhum curso de artes e assume que não era um grande desenhista, apesar de acreditar que sempre teve talento para coisa. “O computador nunca foi uma barreira para mim. Conseguia através do computador me expressar criativamente. E, no início, ele ajudou muito a suprir minhas limitações, minha falta de técnicas de desenho.”

Diretor dos três desenhos da série “Era do Gelo” (sendo o primeiro ao lado de Chris Wedge – responsável pelos grunhidos de Scrat), Saldanha é o brasileiro mais bem-sucedido em Hollywood em todos os tempos, ao menos em termos de bilheteria (só os dois primeiros filmes da franquia gelada arrecadaram mais de U$S 1 bilhão). Quem o vê hoje nem imagina que, em meados da década de 80, trabalhou como analista de sistemas no Brasil. Tudo isso, até que, finalmente, no início dos anos 90, decidiu fazer um curso de extensão universitária sobre animação em computação gráfica na School of Visual Arts, em Nova York.

O estalo de que a animação em computação gráfica poderia ser a melhor opção para que ele conciliasse seu gosto pelas artes e pela tecnologia, aconteceu quando ele assistiu ao pioneiro curta-metragem “Luxo.Jr” (1986), de John Lasseter, o chefão da hoje toda poderosa Pixar. Foi durante sua estada em Nova York que Saldanha, com muito esforço, conseguiu produzir seu primeiro curta de animação, que leva o nome de “Time for Love” (1994).

Tanto sacrifício foi recompensado quando finalmente ele foi convidado por Chris Wedge (que na época era seu professor) para ingressar em um pequeno e, então, quase desconhecido estúdio de animação, chamado Blue Sky, voltado para publicidade. Com o tempo, o trabalho do ateliê ganhou fama até que foi comprado pela Fox, em 1998. De lá para cá, a Blue Sky produziu, além dos três filmes da série “Era do Gelo”, os desenhos “Robôs” (2005) e “Horton e o Mundo dos Quem” (2008).

Em virtude do lançamento de “Era do Gelo 3”, nos cinemas, a estreia aconteceu na quarta-feira, 1, Saldanha conversou com o Link sobre os desafios da nova animação, a moda dos filmes em 3D e seu próximo projeto, a animação “Rio”, por telefone, direto dos Estados Unidos:

A riqueza da textura dos personagens e dos cenários, assim como da fluidez dos movimentos têm impressionado muito nas novas animações. Qual a importância da tecnologia para o gênero?
A tecnologia está presente para servir aos objetivos da narrativa, apesar do visual estar cada vez melhor. No final, se a história não é boa não funciona. Quer dizer, se a história e os personagens não forem bons e cativantes não adianta nada, o filme simplesmente não emplaca. É preciso achar um equilíbrio. Mesmo o 3D, ele não está aí para ser a estrela do filme. Ele é um algo mais que pode tornar o filme mais agradável de ver. Eu vejo o 3D como algo que vai tornar a experiência de assistir esse filme mais gratificante para o público.

Você particularmente gosta do 3D? Acredita que ele possa ser o “futuro do cinema”?
No momento nossas projeções são para fazer tudo em 3D daqui pra frente. Entretanto, o 3D pode se revelar no futuro como apenas um momento, uma moda de agora. Mas, as pesquisas indicam que há uma demanda forte pelo formato. É uma tendência que está em grande alta. Eu tenho um problema com o 3D quando as coisas ficam muito na sua cara, querendo mostrar que é 3D. Isso me tira um pouco do objetivo da história. Acho que quando ele funciona de uma forma natural é mais interessante.

E o que muda na hora de se fazer um filme em 3D?
É preciso ficar mais ligado com os detalhes, com relação à composição dos personagens, ao movimento de câmera. A gente tem que tomar alguns cuidados para que não se perca o efeito 3D ou crie um efeito exagerado que possa gerar um desconforto no público. Além disso, consome um pouco mais de tempo e de dinheiro.

De alguma forma, a tecnologia pode limitar a criatividade?
A tecnologia sempre tem um limite e a criatividade serve para driblar essas limitações, que não são só tecnológicas. A criatividade não deve ser usada apenas para criar mas também para achar soluções criativas para problemas que você encontra durante o processo de produção. E, hoje, o mercado está super concorrido e, por isso, os prazos estão muito apertados. A pressão é grande para que façamos um filme cada vez mais rápido. E nós (a Blue Sky) não somos uma empresa tão grande, então, não conseguimos fazer vários filmes ao mesmo tempo. E, como esses filmes demoram muito tempo para ser feito, a gente tem uma pressão ainda maior para sermos mais rápido.

O Scrat (que tem grande empatia do público e que a cada filme vem ganhando mais espaço em cena) parece ser um personagem quase que saído de um desenho do Chuck Jones (lendário animador criador de personagens como Coiote e Papa-Léguas, e responsável pela irreverência e o humor nonsense característico da turma do Pernalonga). Você enxerga essa relação?
Eu cresci assistindo os desenhos da Disney, os trabalhos do Chuck Jones também, como o Papa-Léguas. Além da Hanna Barbera, com o Tom & Jerry. Esse foi o meu mundinho da animação. E, apesar de todos os filmes novos que vêm saindo, as nossas referências são esses grandes mestres da animação. Tudo que a gente faz tem como forma principal de inspiração esses trabalhos. E o Scrat, primeiro de tudo, é um personagem que não fala, como era boa parte dos desenhos antigos. Além disso, ele tem um estilo de movimento bem rápido, meio neurótico, que lembra sim o Chuck Jones. Eu adoro olhar esses filmes para me inspirar. Ver o que eles faziam para tornar os personagens mais interessantes, engraçados.

Os dois primeiros filmes da franquia foram muito bem sucedidos (“Era do Gelo 2” é uma das cinco animações mais assistidas de todos os tempos). Qual o segredo do sucesso da série?
E qual sua expectativa para a terceira parte?Estou confiante. Temos a nosso favor, o fato de que as pessoas já amam os nossos personagens e têm interesse em continuar a acompanhar a saga deles. Acredito que o nosso apelo maior são os personagens. Não é em todos os filmes, que conseguimos criar personagens tão marcantes que você se lembra para o resto da vida.

Como você vê a concorrência com a Pixar e a Dreamworks?
Você assiste aos filmes deles?
Vejo todos e admiro muito o trabalho deles. E estamos todos no mesmo barco. Torço para que eles façam bons filmes. Isso estimula o público a ver mais desenhos. Temos uma concorrência saudável. Além disso, eles têm uma equipe bem maior do que a nossa e cada uma tem um estilo.

O seu próximo projeto é uma animação que irá se passar no Rio de Janeiro (cidade natal de Saldanha), chamada “Rio”, que contará a história de uma arara-nerd, que sai de Minnesota, nos EUA, para ir ao Rio de Janeiro. E a estreia está prevista para abril de 2011…
Estou correndo que nem um louco para tentar fazer. E esse é um projeto que eu tenho na cabeça há um bom tempo, desde o primeiro “Era do Gelo”. Mesmo antes, eu sempre tive o sonho de fazer um filme com o Brasil, porque acho que é um cenário perfeito – as cores, a música, a beleza do lugar. Além disso, o Rio é um ícone quando se pensa no nosso País e quero tentar mostrar um pouquinho da minha cidade para o mundo.

Leia também aqui.

Entrevista publicada por @brunogalo no blog do Link do Estadão em 2 de agosto de 2009.

Ações

Information

Deixe um comentário